Reabilitação vai «democratizar as cidades»: Miguel de Castro Neto

Secretário de Estado do Ordenamento do Território fala sobre prioridade do Governo

28.07.2014

A reabilitação urbana é uma aposta deste Governo que quer com esta estratégia dinamizar o sector e democratizar as cidades atraindo a classe média e uma população mais jovem para os centros urbanos. Ao quadro legislativo e de financiamento, que está a ser construído, segue-se a divulgação. Em Setembro arranca o roteiro da reabilitação que inclui seminários dirigidos aos municípios, em particular aos técnicos das câmaras, para que possam tirar partir dos novos regimes facilitadores.

 

As medidas que o Governo tem aprovado, como o novo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) passando pelo Regime Excepcional da Reabilitação Urbana, são suficientes para alavancar a reabilitação? 

Temos vindo a promover a aposta na reabilitação urbana por duas vias. Uma legislativa, nomeadamente a Lei de Bases da Política Pública de Solos, Ordenamento do Território e Urbanismo e os regimes complementares, como é o RJUE e como será e breve o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, que fazem um caminho de aposta na reabilitação ao invés da nova construção. Em paralelo há outras vertentes legislativas que também contribuem para isso, como a lei do arrendamento que resolveu o problema do congelamento das rendas. O Regime Excepcional da Reabilitação Urbana é, deste conjunto, aquele que terá maior impacto. Vai coexistir com o próximo Quadro Comunitário de Apoio até 2020. Ao reduzimos as exigências reduzimos também o custo da intervenção por metro quadrado e isso é dinamizar a actividade económica. Existe uma distância enorme entre o que é a média nacional de actividade do sector na reabilitação, entre os seis e os sete por cento, e a média europeia que ronda os 36. Depois há uma segunda dimensão que irá também contribuir para alavancar a reabilitação que é a questão do financiamento. Já existe para os municípios o programa «Reabilitar para arrendar», para as empresas de serviços e turismo o programa Jessica e agora no próximo Quadro Comunitário de Apoio temos um montante de 600 milhões de euros para reabilitação urbana.  
 

De qualquer forma, porque falamos de financiamento comunitário, teremos que assegurar sempre uma componente nacional... 

Sim.  Do lado do Estado obviamente que temos isso perspectivado. Está assegurado o financiamento nacional para que ocorra o financiamento europeu. Da parte dos privados sabemos que existe falta de liquidez. Existe paralelamente alguma rigidez do sector bancário para financiar este tipo de operações mas isso também é dinâmico. Estamos a verificar que o comportamento do sector está a alterar-se. Em 2012-2013, segundo dados da Câmara Municipal de Lisboa, em 90 por cento dos edifícios licenciados foi feito este tipo de intervenção. A reabilitação tem vindo a crescer. O mercado vai-se ajustando e acredito que com o financiamento proporcionado com o Portugal 2020 isso irá acontecer com mais força.

 

Neste âmbito qual é o papel das sociedades de reabilitação urbana. Têm pernas para andar? 

O Estado participa em três sociedades de reabilitação urbana. As sociedades têm cumprido o seu papel. Tiveram, em algumas cidades, um papel importantíssimo. São um modelo para promover a reabilitação mas são responsabilidade das autarquias. São os municípios que decidem qual a melhor forma de desenvolver as estratégias. Nesse ponto o que estamos a preparar, uma vez que foi aprovado um conjunto de legislação significativa que altera as regras que existiam até ao momento, é um roteiro da reabilitação urbana. Vamos, em conjunto com as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, promover um conjunto de seminários e workshops, dirigido aos municípios, em particular aos técnicos das câmaras, para apresentar com detalhe o novo enquadramento legal que existe em torno da reabilitação urbana para que também os próprios municípios possam tirar partido disso. As reuniões irão arrancar muito provavelmente depois do Verão. 

 

Todas estas medidas têm como objectivo tornar a reabilitação mais barata, já que é mais cara que a construção nova…

Um dos problemas é exactamente esse. Mas o que fizemos não foi só com a lógica de reduzir custos. Foi criada uma comissão de especialistas que esteve a estudar quais os requisitos mínimos para a reabilitação urbana. Nunca poderá ser prejudicado o pré-existente. Concluiu-se que era possível ter redução de custos entre 30 a 40 por cento. 
 

Como responde às críticas de algumas associações, muito vocacionadas para a eficiência energética, que falam nessas medidas como um «retrocesso»? 

No caso da eficiência energética o que acontece é que as exigências decorrem da viabilidade económica. Se fizer sentido economicamente fazer a intervenção mantém-se a disposição. Se não fizer sentido não é necessário. O que colocamos são as exigências mínimas... Algumas pessoas podem considerar que podem ir mais longe na reabilitação e fazer os investimentos que entenderem. O que é proposto não condiciona esse aspecto.
 

Mas desta forma a eficiência energética acaba por não ser uma prioridade… 

Não, a eficiência energética é uma prioridade deste ministério. É dos aspectos principais quando falamos na eficiência de uso de recursos e na economia verde. Se promovermos a melhoria da eficiência energética na habitação o efeito global que pode ter é fundamental e isto decorre também de uma directiva comunitária de eficiência energética. O que estamos a dizer relativamente a este regime excepcional de reabilitação urbana é que as exigências feitas ao nível da eficiência energética estão condicionadas pela sua real mais valia. Ou seja, não basta dizer que tem que fazer-se. É preciso que tenha um retorno efectivo.  

 

Com este condicionalismo o objectivo eficiência energética não fica prejudicado? 

De todo. Se assim não fosse isso não seria coerente com a política deste ministério. O nosso discurso e a nossa prática na tutela da energia é promover a eficiência energética portanto não iriamos em paralelo produzir um diploma contrário.  
 

IMPULSIONAR A RENDA CONDICIONADA

 

Na nossa última conversa referiu que estavam a «trabalhar para criar mecanismos financeiros de forma a ir mais longe e promover a reabilitação urbana dinamizando este sector ». Já estão apurados esses mecanismos? 

Esperamos que em Setembro esteja finalmente terminado o mecanismo financeiro para apoiar a reabilitação para o arrendamento para privados, direccionado para o mercado da renda condicionada, e seja colocado ainda durante este ano ao dispor dos investidores. Fica disposto, logo inicialmente, qual é o montante máximo a que poderão arrendar aquelas habitações. Será um apoio financeiro, reembolsável, com um prazo bastante alargado de reembolso e uma taxa de juro bastante interessante. Os detalhes finais não estão fechados na negociação que estamos a conduzir com o Banco Europeu de Investimento. 

 

Será uma linha de crédito aberta pelo Governo...  

Será o IRHU que o irá gerir à semelhança do que já faz hoje com o «Reabilitar para arrendar» com os municípios. É um mecanismo semelhante só que para os privados.  

 

O valor já está apurado? 

O pacote inicial são 50 milhões de euros. Obviamente irá sendo reajustado em função da dinâmica do sector. Visto que é um programa em parceria com o Banco Europeu de Investimento se tiver forte adesão podemos renegociar o alargamento do financiamento.  

 

Falou da questão do arrendamento e da forma como é importante para promover a reabilitação. Considera que a nova lei, tal como está, é suficiente ou defende algumas mudanças nesta área?

Uma comissão esteve a avaliar a lei das rendas, um dossier que é acompanhado directamente pelo senhor ministro do ambiente e no seguimento do relatório final dessa comissão estão a ser estudados alguns ajustamentos. Existem alguns aspectos que ainda podem ser melhorados. O senhor ministro já reuniu com as principais organizações representativas do sector e por isso em breve teremos novidades. Em paralelo com a renda livre temos trabalhado ao nível da renda condicionada e a renda apoiada para o mercado social de arrendamento.
 

A reabilitação também se destina a trazer mais pessoas à cidade. A cidade está preparada para ter mais pessoas, mais poluição, mais veículos... 

Se através deste processo de dinamização da reabilitação urbana - que já está a acontecer e que vai crescer, já começámos a ter sinais disso, basta ir acompanhando a dinâmica do mercado de venda de património devoluto nas cidades para perceber que vamos ter reabilitação - conseguirmos trazer a população vamos ter precisamente o contrário. Queríamos atrair população jovem e a classe média para rejuvenescer e ter uma maior democratização das cidades. Vamos melhorar as condições de habitabilidade das cidades porque vamos reduzir o tráfego automóvel. Vamos ter menores movimentos pendulares, mais qualidade do ar e reduzir o consumo de energia.  

 

Mas terá que operar-se alguma mudança de mentalidades no sentido de incentivar as pessoas a andar de transportes... 

Temos vindo a trabalhar numa estratégia em torno da política de cidades e essa política de cidades tem várias dimensões. Não é só a reabilitação urbana. Temos preocupações, por exemplo, com as soluções de mobilidade e com a eficiência no uso de recursos dentro das cidades. Há todo um conjunto de aspectos que tEM que ser equacionado para que as cidades sejam mais inteligentes e mais resilientes. Um dos pontos chave é a mobilidade. Também aí esperamos que haja mudanças durante o próximo Quadro Comunitário de Apoio. Ao nível do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia há uma forte aposta na mudança da utilização de combustíveis fósseis para veículos eléctricos. Há uma convicção de que o automóvel eléctrico é bastante interessante no futuro imediato e não apenas a médio ou longo prazo, assim como os modos de mobilidade suave, como as bicicletas eléctricas.  

 

Estão previstos alguns incentivos nesse sentido? Estavam criados alguns benefícios fiscais para quem adquirisse veículos eléctricos que entretanto acabaram...  

Neste momento existe uma proposta feita por um grupo criado pelo Ministro do Ambiente, a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde, que apresentou recentemente um conjunto de 40 medidas para a fiscalidade verde, entre os quais este tipo de benefícios e ainda incentivos para aquisição de bicicletas. Há um conjunto vasto de propostas que está em discussão pública. Serão recolhidos contributos até Setembro e com base, quer na proposta da comissão, quer nos contributos da fase de discussão pública, o Governo irá decidir quais as medidas que levará por diante sendo certo que a aposta na fiscalidade verde assenta na convicção de que existem ganhos potenciais a ser obtidos por via de medidas verdes e que isso pode ser feito num contexto de neutralidade fiscal, ou seja, sem aumento de impostos.  
 

Acredita que as pessoas que vêm morar para Lisboa, à medida que a cidade se vai reabilita, vão usar mais a bicicleta e o veículo eléctrico? 

Hoje já não vejo esse cenário como utópico. É importante lembrar que quando falamos em reabilitação urbana não estamos só a falar de Lisboa e Porto. Se visitarmos o país verificamos que existem cidades com problemas de reabilitação independentemente da sua dimensão. Isto é algo que esperamos que venha a acontecer em todo o território nacional e não apenas nas grandes cidades. Por outro lado achamos que há necessidade de uma mudança de mentalidades. Os pequenos gestos diários, que individualmente não têm peso, quando somados têm impactos brutais. É necessária uma mudança significativa de comportamentos na utilização dos meios de transporte, na adopção de medidas de eficiência energética nas habitações e na utilização dos materiais na própria reabilitação urbana.  
 

O Governo quer claramente travar a expansão urbana. Alguns especialistas em morfologia urbana, como o professor e investigador Vítor Oliveira, consideram que são necessárias novas construções para dar vida a algumas cidades. Concorda? 

A nossa aposta é na reabilitação urbana mas obviamente haverá nova construção, consolidação do tecido urbano, se tal se justificar. Não proibimos a nova construção. O que promovemos, por via da reforma do ordenamento do território, nomeadamente através da Lei de Bases da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e Urbanismo, é a aposta na reabilitação urbana. Se até à data era mais interessante investir na nova construção - porque era um melhor negócio do que a reabilitação urbana - com estas medidas que tomámos nivelámos as duas e passa a ser interessante também economicamente a reabilitação urbana. Obviamente o investidor toma a sua opção livremente. Não há qualquer proibição da nova construção. O que achamos é que neste momento é mais importante a reabilitação urbana e criámos o enquadramento legal que a favorece.  

 

Ana Santiago 

TAGS: Reabilitação , Secretário de Estado do Ordenamento do Território , Miguel de Castro Neto
Vai gostar de ver
VOLTAR