Pedro Martins Pereira: «Respeitamos a cultura dos países onde trabalhamos» (COM VÍDEO)

Internacionalização representa mais de 50 por cento da actividade da Larus

03.10.2014

O respeito pela cultura e história dos vários países é um dos segredos do sucesso de internacionalização da Larus, a empresa de mobiliário urbano de Albergaria-a-Velha, que tem vários produtos premiados internacionalmente. Para vencer lá fora, garante Pedro Martins Pereira, fundador e presidente da empresa, é preciso também fazer melhor do que os outros.

 

A Larus tem sido galardoada com vários prémios internacionais. Além do reconhecimento isso reflecte-se também no volume de vendas?

Embora seja muito agradável receber estes prémios não é por isso que nos candidatamos. É uma forma de tentar conseguir reconhecimento lá fora. Hoje temos necessidade de avançar para outros mercados e as barreiras são grandes. Os produtos portugueses são normalmente desvalorizados sobretudo nos mercados mais exigentes.

 

Simplesmente por  serem portugueses?

Exactamente. Há uma dúzia de anos fez-se um estudo. Em média os produtos que diziam Made in Portugal foram desvalorizados trinta por cento.

 

Por parte de estrangeiros?

Sim, particularmente dos países mais evoluídos da Europa Central e Estados Unidos. Hoje temos consciência de que as coisas já não são bem assim, mas essa não é a imagem que muita gente tem.

 

Por que é que existe esse estigma?

As pessoas reconhecem em Portugal aquilo que ao longo de dezenas de anos foi sendo promovido: a canga dos bois, os pescadores artesanais, o fado. Infelizmente - esta é uma crítica fortíssima que faço aos nossos políticos - por incompetência de como se faz a promoção do país. Compram-se umas páginas nuns jornais e revistas dos mais caros, nos países onde isso tem um custo mais elevado, e passada uma semana ninguém se lembra. Era preciso promover a marca Portugal de forma consistente.

 

Não exactamente com a imagem das praias?

Não só. É preciso fazer introspecção. Temos profissionais muito competentes de diversas áreas que é preciso juntar. Teria muito gosto em participar numa coisa destas mesmo sem interesse material e ajudar a selecionar pessoas ou grupos. Isto é de uma tremenda importância para o país, mas não se faz.

 

De que forma Portugal deveria ser promovido?

Existe o P de Portugal que promove a compra do que é nosso. Querem virar a campanha para a exportação. É um disparate. Vai continuar a gastar-se dinheiro estupidamente porque não existe critério para avaliar quem pode usar o P de Portugal. A pior empresa que existe no país, sem ética, sem princípios, sem qualidade, pode usá-lo. O nivelamento é feito por baixo. Os critérios são sempre discutíveis mas têm que existir.

 

Não promover os produtos portugueses só pelo facto de serem portugueses….

Promover sim a capacidade de fazer coisas ao nível do melhor que se faz no mundo. Por exemplo, os melhores do mundo ganham os prémios que nós ganhamos. É um trabalho subterrâneo. Ninguém faz ideia do trabalho das preocupações, dos anos de estudo... Existem muitas empresas portuguesas a fazer coisas muito boas. Estes prémios permitem-nos notoriedade internacional, mas permitem também compreender que estamos a investir em investigação e inovação e credibilizam-nos de forma a irmos para os mercados estrangeiros e estarmos ao nível dos melhores. E, já agora, que nos paguem como pagam aos melhores.

 

Há pouco falava da falta de prestígio de Portugal. Isso ficou a dever-se, até determinada altura, à ausência de produtos com design?

O design é uma ferramenta que permite criar valor desenvolvendo produtos que são pensados antes de ser produzidos, mais económicos, fiáveis, com melhor qualidade, mais bem aceites pelo mercado e que respondem a funcionalidades.

 

O design pode valorizar as marcas…

E não só. Pode ajudar a ter uma atitude de excelência, que é conseguir antecipar necessidades. O design permite-nos desenvolver produtos adaptados à cultura e a identidade de países valorizando essa cultura. 

 

Já aconteceu?

Várias vezes. Desenvolvemos uma linha para Angola que é a linha Embondeiro. As madeiras são produzidas lá por angolanos, com indicações nossas, e montadas por eles. Além disso temos uma linha para a Medina de Casablanca, a linha Medina, desenhada por nós como se fôssemos árabes. Nesse caso é tudo feito cá. Só que o desenho da peça respeita os desenhos tradicionais árabes, particularmente marroquinos. A papeleira com a qual ganhámos um red hot (“shett”) foi desenvolvida para o Kuwait. É linha muito depurada para um espaço de homenagem aos mártires que morreram em defesa da pátria. Naturalmente estes países reconhecem esta nossa preocupação. Estamos a fazer aquilo que os portugueses conseguiram quando fizeram o primeiro império global do mundo. Vamos ter a um dos fundamentos que devia ser utilizado na marca Portugal: a nossa excelente capacidade de estabelecer relações.

 

Há muitas empresas que tentaram este caminho da internacionalização e que não foram bem sucedidas. O segredo da Larus é esse respeito pela cultura?  

Dizem que somos uma empresa de sucesso, mas não considero isso. É uma luta permanente. Não podemos pensar que é só chegar lá fora e vencer. É preciso fazer melhor do que os outros.  

 

Não se deita à sombra da bananeira…

Nos outros países debatemo-nos com as melhores empresas do mundo que não estão ali dispostas a sair para nos deixar entrar. Com a penalização da imagem que existe dos produtos portugueses temos que fazer melhor para conseguir estar à altura dos outros.

 

Qual é a estratégia da Larus nesse sentido? 

É a aposta na diferenciação dos produtos, no respeito e na valorização da cultura desses mercados. Por exemplo, recentemente fomos a um país árabe apresentar uma proposta para um produto, cujo projecto tinha sido desenvolvido por uma empresa americana. Disseram-nos que eles faziam reuniões de cinco minutos, mas não fiquei preocupado. Quando lá chegámos não só conversámos como andámos todo o dia com eles a ver museus e a ver locais interessantes que têm que ver com a cultura deles. A reunião ficou para o dia seguinte num hotel de luxo, com um pianista a tocar para enquanto bebíamos chá. Acabaram por dizer-nos que queriam que fossemos nós a apresentar a proposta de projecto, além da proposta de produção. O respeito pela cultura é uma força muito grande que temos. Para os países árabes o comercial tem uma formação base em arqueologia. Tudo isto dá trabalho e implica despesa, mas estamos habituados a trabalhar muito para conseguir alguma coisa.

 

QUEM QUER FAZER UM TRABALHO SÉRIO É PENALIZADO

 

A sensibilidade é fundamental para os bons resultados que a empresa tem conseguido…

Acho sempre que são muito curtos. A evolução recente que atingiu a Europa e, em particular, Portugal trouxe não só menor investimento público mas, por outro lado, criou vícios perniciosos. Há empresas que ganham concursos e tentam colocar cópias de equipamentos nossos, fabricados por empresas que não têm os nossos custos de estrutura e que ficam mais baratos. O mais grave é que há câmaras que até promovem.

 

Já processou alguém?

Isto acontece a cada passo hoje em dia e depois vamos para os tribunais, com custos elevados, e os tribunais não funcionam. É possível registar um produto que já está registado, por exemplo. É possível porque hoje em dia não se faz fiscalização. Quem quer andar a copiar sabe como funcionam os tribunais. Quem quer fazer um trabalho sério é penalizado neste país por incompetência política.

 

A Larus cresceu 40 por cento no ano passado. Tem dados do primeiro semestre?

Neste momento já estamos a vender mais para o estrangeiro do que para cá. A exportação representa mais de 50 por cento da nossa actividade.

 

Como perspectiva o futuro?

Acho que é cada vez mais difícil prever o futuro. Antigamente faziam-se previsões a dez anos. Se olhar para trás, no último ano, quantas vezes é que foi brutalmente surpreendida?

                                              

O processo de internacionalização está consolidado. Tendo em conta a realidade portuguesa é praticamente impossível viver só do mercado nacional…

Sobretudo tendo em conta alguma dimensão que adquirimos o mercado português já não dava resposta. Tínhamos necessidade de mais e foi mesmo forçoso acelerar a ida para o exterior. Há golpes de sorte. Temos que saber aproveitá-los.

 

O design sempre foi uma prioridade para a empresa?

Faz parte do nosso código genético. O design é o nosso valor mais forte, embora esteja muito apoiado nas nossas competências ligadas à tecnologia. Temos muitas pessoas da produção no projecto e sempre muitas pessoas do projecto na parte da produção. Há uma ligação permanente. E muitas vezes a produção simplifica o projecto. Assim como muitas vezes o projecto auxilia a produção a encontrar novas soluções que podem esteticamente até funcionar melhor e podem ser mais económicas.

 

A sensibilidade está a aumentar em relação ao design? Quem compra valoriza?

Em Portugal não. Houve um retrocesso fruto da crise. Retrocesso que permitiu que as autarquias, por exemplo, estejam por vezes a privilegiar cópias de produtos nossos com versões feitas com menor qualidade, o que é um problema porque exige que se vá para os tribunais com custos e incómodos. Em relação ao estrangeiro valorizam o preço. Querem bons produtos mas com custo competitivo. Naturalmente irão dar preferência às empresas da mesma nacionalidade. O design é uma ferramenta que por vezes nos permite produzir mais barato. Pode ser colocada mais inteligência no desenvolvimento do produto retirando-lhe o que é excessivo.

 

Ana Santiago 

 

Larus, nome de gaivota

 

Tudo começou com um concurso de quiosques. Há 26 anos. Pedro Martins Pereira tinha a empresa registada e muita vontade, mas não tinha operários nem equipamentos nem instalações.

 

“Fui alugar uma escola antiga, contratei um operário que já tinha debaixo de olho e que veio a ser durante dez anos o meu encarregado. Hoje é empresário. Um homem inteligente, sério, trabalhador e bom profissional.  Contratei essa pessoa e depois outra e as coisas foram crescendo. Comprei os equipamentos a prestações”, conta o fundador e presidente da empresa hoje reconhecida internacionalmente.

 

Criou a empresa com os pés bem assentes na terra mas sempre com o sonho de outros horizontes. Daí que Larus, que significa gaivota e permite um logotipo estilizado, tenha sido o nome escolhido para a empresa. Um nome latino, mas mais fácil de ler em inglês e francês já a pensar na internacionalização.

                                                                                                        

“Primeiro desenvolvemo-nos neste país com a perspectiva de fazermos coisas com qualidade. Só depois nos abalançámos lá para fora. Primeiro para Espanha, de uma forma mais controlada. Depois fomos alargando o leque e mesmo hoje o fazemos com alguma contenção. Não estamos no mundo inteiro. Estamos no centro da Europa, em países como Angola, que tem grandes afinidades com Portugal”.  

 

Um engenheiro metalúrgico também é um artista

 

Nasceu numa família grande e cresceu na fundição do bisavô. Desde pequeno ouvia dizer que seria o chefe da fábrica onde também trabalhou no Verão para ganhar umas "coroas". Aos seis anos jogava futebol na equipa que pertencia à fábrica e os seus amigos eram os filhos dos operários da unidade que chegou a ter mais de 700 trabalhadores.

 

Tirou um curso de engenharia metalúrgica, mas a sua paixão era a pintura. Pintou enquanto estudante universitário até perceber que ou pintava ou acabava o curso. Deixou as telas, mas hoje o design compensa-o em relação à pintura pelo que tem de comum. “É um processo criativo. O design tem que resolver problemas, mas também tem que encontrar soluções que sejam agradáveis e que envolvam emoções".

 

A pintura, assim como o fascinava, também lhe metia medo. “O primeiro traço era muito difícil. Era como se estivesse a agredir a tela. O design é um processo que se vai construindo. Não existe essa barreira. É sempre possível alterar”.

 

O engenheiro metalúrgico trabalha com profundidade interior. Às vezes durante o sono. Assim como o jogador de futebol, que vai para a cama a sonhar com as suas jogadas, Pedro Martins Pereira leva na cabeça questões para resolver. “Por vezes estou no chuveiro quando se faz o 'click'. O processo criativo muitas vezes é subconsciente, mas temos que estar preocupados com isso”.

 

Viajar, uma exigência da actividade da empresa que trabalha em vários países, não lhe tira espaço para a criatividade. Pelo contrário. “Quando viajo, viajo com os olhos muito abertos. Vou com a preocupação de aprender, de ver, de encontrar referências, que me vão suscitar novas soluções”.

 

Em pequeno lia revistas que os bisavós traziam dos Estados Unidos e já percebia o que era o design quando em Portugal a palavra ainda não era usada. A relação com bisavó, que morreu quando o bisneto tinha oito anos, foi especial. Foi influenciado pela dinâmica e criatividade do bisavô, autor do primeiro carro feito integralmente em Portugal, que criava produtos num período da história em que as pessoas não estavam para aí viradas. “O meu bisavô era o concorrente dele próprio. Fazia produtos que iam competir com os seus próprios produtos. Nos anos 30 era a empresa portuguesa que tinha mais modelos registados. Fazia aparelhos para fogões a petróleo que exportava para os Estados Unidos patenteados, colunas de iluminação, bancos de jardim, válvulas, equipamentos para a agricultura...”

 

Pedro Martins Pereira é o criador de peças tão originais como a papeleira “Tango” que sugere a “configuração das costas da mulher, forçada pelo braço do seu par”. O processo de apuramento das formas é um processo de sensibilidade. “Às vezes até de algum sofrimento. O processo criativo é um processo muito individual, íntimo, solitário”, descreve. A criação de peças, mas também a escrita. Está a terminar um conto para crianças escrito para os adultos lerem inspirado por um momento que viveu em Marrocos. Também está a preparar um texto, que será publicado este ano, sobre uma divagação que tinha em criança sobre a localização de uma cidade de origem celta depois dominada pelos romanos que está por descobrir. Acredita que sabe onde fica. À cabeceira tem 10 livros que vai intercalando. Desde a gestão estratégica aos policiais, passando pela história.

 

Tem 62 anos, reside em Albergaria-a-Velha, é divorciado e pai de três filhos. Sempre que pode faz vela. Comprou um velho barco de madeira sem cabine que está ancorado na Costa Nova, onde sempre passou férias, na praia de Ílhavo. Joga futebol esporadicamente e dirige duas empresas com cerca 40 colaboradores: a Larus e a Alba, fundada pelo seu bisavô e que entretanto adquiriu. Ao jogar na equipa da fábrica do bisavô aprendeu a respeitar os outros quando ganha e a respeitar-se a si próprio quando perde. “Quando ganhamos não temos que ser arrogantes. Quando perdemos temos que tentar perceber o que é que nos levou a isso”.

TAGS: Larus , Alba , Pedro Martins Pereira , entrevista
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