Opinião João de Jesus Ferreira: "Contratos de desempenho energético - barreiras ao financiamento"

12.10.2015

O presente artigo tem como objectivo apresentar uma reflexão sobre as dificuldades actualmente existentes na implementação de projectos de eficiência energética (EE) nos vários sectores da actividade económica.

A eficiência energética é o único meio que permite melhorar a produtividade energética das economias, se for mantida a estrutura e a qualidade do valor acrescentado do sector produtivo.

A tendência na melhoria da produtividade energética da nossa economia é apenas aparente e conjuntural e é a consequência da crise económica e financeira que Portugal e a Europa têm vivido desde 2006.

De realçar que a partir de 2011 esta tendência começou a inflectir e a perda de produtividade recomeça a sua aceleração permitindo concluir que esta melhoria aparente não se deve à implementação de projectos de eficiência energética mas apenas à contracção no consumo, basicamente de produtos petrolíferos, como são o caso dos combustíveis líquidos, em particular no sector dos transportes rodoviários.

Nos últimos 10 anos, temos estado a viver um momento em que, por motivos de crise económica, Portugal passa por uma recessão que tem tido impacto negativo no consumo em geral e no de produtos energéticos em particular, entrando no cenário “limitar o consumo pelo constrangimento”.

A implementação de projectos de eficiência energética é prioritária e decisiva para a sobrevivência do sector produtivo Nacional.

Neste contexto é fundamental encontrar os instrumentos financeiros adequados a este tipo de projectos, pois o seu financiamento constitui, ainda, uma importante barreira à sua execução.

 

Um contracto de desempenho energético baseado no conceito “financiamento por terceiros” (FpT) pode definir-se como sendo a prestação de um serviço completo de auditoria, estudo, projecto, instalação, operação, manutenção, gestão e financiamento na modalidade “chave na mão” de sistemas tecnológicos para o incremento da eficiência energética, sendo o custo dos serviços e o retorno do investimento garantidos, total ou parcialmente, pelas economias de energia obtidas.

Este sistema de financiamento consiste, essencialmente, na oferta de um serviço composto de um “mix” de “expertise” técnica, económico-financeira e marketing, susceptível de gerar um contracto de desempenho energético.

As empresas de FpT, normalmente designadas por Empresas de Serviços Energéticos (ESE ou ESCO – Energy Service Company), preferencialmente, são do tipo capital-intensivo, com um reduzido “staff” operacional e um corpo accionista abrangente (grandes empresas institucionais do sector energético, bancos, seguradoras, sociedades de capital de risco, empresas de engenharia).

Do ponto de vista do empresário/cliente, o serviço de eficiência energética é-lhe prestado de forma a tornar desnecessário o desembolso de capital e/ou o envolvimento em especialidades estranhas ao seu negócio.

Sendo óbvio que os investimentos em eficiência energética são rentáveis e contribuem para o aumento da competitividade das empresas, as barreiras identificadas podem ser resumidas em:

  • Políticas e regulamentares - As políticas são mal orientadas e a aplicação dos regulamentos existentes não são fiscalizados.

 

  • Decisores dos consumidores de energia - Salvo excepções (onde o peso da energia é demasiado forte) os decisores não dão prioridade à eficiência energética porque estão mais preocupados com o investimento directamente ligado ao sector produtivo e porque não possuem as competências adequadas à avaliação deste tipo de projectos.
  • Fornecedores de equipamentos - A grande parte das empresas que estão neste mercado não detém competências adequadas e geram facilmente a desconfiança.
  • Entidades financeiras - Não dispõem de linhas de crédito adequadas

 

 Considerando que as várias barreiras, não financeiras, são ultrapassadas, a barreira ao financiamento é muito significativa:

 

  • Disponibilidade de fundos - A utilização de capitais próprios tem outras prioridades.
  • Informação - Falta de comunicação técnica adequada entre clientes e entidades financiadoras.
  • Custos de desenvolvimento - Os custos de desenvolvimento e de engenharia podem inviabilizar os projectos, principalmente os de baixo investimento.
  • Riscos de avaliação e de gestão - Falta de conhecimento e de competências adequadas em vários níveis.
  • Falta de competências - A banca tradicional não está habilitada para a avalização técnica deste tipo de projectos.

 

Atendendo a tudo o que até aqui se referiu, transparece a ideia de que as principais barreiras aos contratos de desempenho energético têm directamente a ver com o risco: financeiro, de preço da energia, de solvência das empresas e também de performance. Efectivamente, há sempre um diferencial entre o potencial de economia previsto e realizado. A gestão deste diferencial, pode constituir uma efectiva barreira pela conflitualidade induzida entre cliente e operador. Ainda de um ponto de vista técnico, deve ser tido em conta o entrave relativo ao tempo de negociação do contracto - por vezes arrasta-se indefinidamente, quer pela conflitualidade susceptível de gerar, quer porque o decisor não pretende assumir-se, quer porque existe um elevado número de pessoas envolvido -, bem como o entrave decorrente do tempo excessivo de extensão do contracto ("pay-back" de 5 anos significa 8 a 10 anos de contracto). Desta forma, no âmbito do marketing afecto aos operadores, deve ser dada maior relevância à sua experiência e referências.

 

Conforme referido, um dos principais problemas a resolver no âmbito do financiamento de projectos de eficiência energética é a forma como o sector financeiro (principalmente a banca comercial e a banca de investimento) encara este tipo de projectos.

Muitas ESE/ESCO estão a recorrer a fundos de investimento privados que estão disponíveis para financiar projectos de eficiência energética e de produção de energia com recurso a fontes renováveis de energia primária.

As entidades bancarias não estão a apoiar este tipo de projectos, apresentando argumentos como:

 

  • A dimensão dos projectos é muito pequena para a banca de investimento, que prefere projectos acima dos 10 milhões de euros;
  • A óptica do project-finance não se adapta ao tipo de projectos e à sua dimensão;
  • Este tipo de projectos enquadra-se na banca comercial, com o recurso às garantias normais e, eventualmente, com recurso a garantias pessoais dos accionistas das ESE/ESCO;

 

Assim, e para além do recurso a fundos de investimento privados, é de relevante importância tornar estes projectos atractivos para a banca, em condições adequadas e adaptadas ao tipo de investimento específico.

Para isso algumas barreiras devem ser eliminadas, tais como:

 

  • Reforçar e melhorar a comunicação entre as ESE/ESCO e as entidades financeiras;
  • Dispor de instrumentos de avaliação financeira, normalizados, que eliminem dúvidas por parte da banca, sobre os riscos dos projectos;
  • Dotar a banca de competências nesta área de negócios, com vista a garantir a correcta avaliação e percepção dos projectos, dos seus riscos e das suas vantagens;
  • Considerar a óptica do project-finance, para apoiar os projectos de eficiência energética, independentemente da sua dimensão;

 

João de Jesus Ferreira é engenheiro electrotécnico (IST), mestrado em Política, Economia e Planeamento de Energia (ISEG/IST), é administrador do grupo Vivapower e CTO (Chief Technology Officer) da Vivapower Selfenergy

TAGS: opinião , João de Jesus Ferreira , desempenho energético , financiamento
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