Porquê o baloiço e o escorrega de sempre? Por que não aproveitar um tronco de uma árvore que caiu durante o temporal? O parque infantil pode ser mais simples, mais barato e menos convencional levando identidade aos bairros, defende José Caldeira, o Director de Serviços de Mobiliário Urbano e Paisagismo da empresa F.L.Gaspar, que quer trazer uma lufada de ar fresco a este tipo de equipamento. Os mais novos agradecem. Os mais velhos também. Afinal, este espaço de lazer é para toda a família.
Como é que uma empresa dedicada ao mobiliário urbano tem conseguido sobreviver nesta conjuntura desfavorável?
A empresa tem três áreas de actividade, o que permite fazer face a desequilíbrios de mercado. A área principal é a sinalização rodoviária, uma segunda área tem que ver com controlo de tráfego e a terceira é dirigida ao espaço público e áreas de recreio. Este é actualmente o departamento mais frágil. A empresa tem desenvolvido alguma actividade em Cabo Verde, Moçambique e Angola, de onde aparecem algumas encomendas de parques infantis e mobiliário urbano. A maior parte dos projectos está associada a escolas privadas de ensino inglês. São dirigidas a cidadãos estrangeiros que lá radicados que tentam replicar o mesmo tipo de condições que têm cá na Europa.
Porque cá o mercado tem vindo a descrever…
Daí que estejamos a desenvolver muito a área da manutenção dos parques infantis no concelho de Oeiras e em algumas freguesias de Lisboa. Também vamos começar em Cascais. Com a transferência das competências as freguesias começaram a tomar consciência da necessidade de preservar o património. Temos vindo a desenvolver nomeadamente ferramentas de gestão da manutenção de parques infantis. Os nossos colaboradores têm uma lista, um tablet, fazem a fotografia no local, fazem a reparação, fazem a fotografia de saída, o que permite ao gestor dos parques, às autarquias, fazer o acompanhamento online da actividade. É uma ferramenta que traz vantagens aos clientes.
É uma preocupação que tomou outra dimensão com a escassez financeira?
As pessoas também têm uma consciência ambiental diferente e em relação ao património. Também há da parte dos municípios uma sensibilização para que haja menos desperdício. A falta de verbas obriga, às vezes, a enveredar pela opção do ir reparando. Houve uma profusão de parques infantis com o boom da construção. O construtor tinha que fazer cedências ao município, havia cedências a fazer no espaço público e construiram-se parques infantis mesmo não havendo crianças.
Construíram-se demasiados parques infantis?
Sim. O Montijo, que tem mais de 80 parques infantis, é um exemplo incrível. Com anúncio do aeroporto houve um grande incremento de construção. Na altura não custou nada porque foram os promotores que fizeram os parques infantis. Agora o município tem a ASAE a pedir meças em relação ao estado e à segurança dos parques. Temos que olhar para esse espaço público, que são terrenos cedidos, e dar-lhes uma utilização mais compatível com o perfil da utilização das zonas envolventes.
Como é que isso se faz?
O que nós tentamos fazer é olhar à volta e apresentar propostas de parques menos convencionais. Os parques infantis vivem uma nova geração: podem ser mais simples, mais baratos e mais originais. Se observarmos os quadros de Pieter Bruegel, que reproduziam as brincadeiras das crianças, verificamos que são hoje as mesmas do século XVI. A brincadeira faz parte do nosso crescimento. A maneira como foi incorporada na sociedade começou no século XIX com Friedrich Fröbel com o conceito de “kindergarten” [parque infantil]. A certa altura a criança deixou de ser o homem em miniatura e passou a ser uma personalidade com vários estágios de desenvolvimento. Uma segunda fase veio com o baby boom a seguir à guerra e com o movimento moderno surgiu a necessidade de incorporar a brincadeira na cidade com os equipamentos. A terceira fase é a excessiva normalização. Todos os equipamentos passaram a ter normas específicas não só em termos de segurança como em termos de dimensionamento. O parque de diversões banalizou-se. Agora o recreio é igual em todas as escolas. E nos espaços públicos acaba por replicar-se. Temos apostado em criar espaços públicos que sejam diferenciados, que utilizem, por exemplo, elementos naturais ou elementos de reciclagem.
Por exemplo?
Temos um exemplo curioso em Cascais. Aproveitámos algumas árvores da Serra de Sintra que cairam durante o temporal para fazer um parque infantil no parque gerações. É uma maneira de criarmos um espaço diferenciado e suscitarmos a imaginação das crianças. Isto não quer dizer que se faça tábua rasa de toda a normalização até por questões de segurança. Olhando para esses estudos conseguimos recriar espaços infantis com coisas completamente novas sem prejuízo das normais básicas de bom senso e segurança. As brincadeiras são maneiras de nos imaginarmos ou num castelo ou umas fadas ou um barco pirata. Há um sítio a brincadeira se processa. Se esse sítio for diferente, uma forma de dar identidade ao bairro, de tornar único um dos recantos da cidade, tanto melhor.
Esta diferenciação não onera mais os equipamentos?
Não. Conseguimos ser competitivos em termos de preço. Tem tudo a ver com a maneira como lidamos com os conceitos. Usamos materiais naturais. Em Cascais as árvores até foram cedidas pela protecção civil. Estavam abatidas. São troncos grandes que caíram com a tempestade. Mérito para o nosso arquitecto paisagista Bruno Pinto, que começou a desenvolver os conceitos. É um estudioso das normas de segurança e consegue que estes novos equipamentos se enquadrem sem problemas dentro da legislação.
E não é complicado dado o tipo de materiais?
No fundo estamos a falar de madeiras que são tratadas também em autoclave. Estamos a falar de árvores de oito metros, grandes troncos. As alturas de queda são baixas. Conseguimos fazer uma estrutura que tem sido um sucesso para as crianças. O mindset é que não está muito para aqui virado.
E porquê? Há preconceito?
Não sei se é preconceito…. Estive em Berlim e reparei que lá os parques infantis são quase todos feitos com coisas recuperadas. Mesmo que o não sejam parecem ser. Há fabricantes que produzem equipamentos assim.
Mas de uma forma geral a originalidade é reconhecida?
Penso que sim. Até porque conseguimos, além de preços mais competitivos, uma baixa manutenção. Não temos parafusos nem coisas que desapertam. Verificar mensalmente se está tudo em ordem é mais barato do que substituir peças num carrossel.
Este tipo de produto corresponde à maior parte do que fazem actualmente?
Continuamos a fazer parques convencionais e manutenção. Estamos a desenvolver esta linha porque achamos que vai ao encontro dos conceitos em voga relativamente aos e por ser mais acessível. Além disso é diferenciado. Não há dois troncos iguais.
O RECREIO NÃO É SÓ DAS CRIANÇAS
Mas a proliferação de espaços deste tipo foi bom para empresas com a F.L.Gaspar…
Sim… Esse foi chão que deu uvas. A população envelhece. Hoje em dia o recreio já não é só infantil. O recreio urbano é transversal a todas as idades. As hortas urbanas são recreio. Os novos agricultores são os velhos. Também existem skate parques e paredes de escalada. Começam a existir outras formas de entretenimento viradas para vários públicos. A vida urbana tem que ver com esse tipo de convivência. Uma pessoa pode ir ler um livro para um jardim. Há aqueles que vão exercitar-se, caminhar ou andar de bicicleta. Hoje em dia o recreio já não é só uma coisa das crianças. É um espaço inter-geracional. Cada vez mais temos que olhar para o espaço público como um espaço capaz de responder a várias motivações seja etárias, sociais ou de grupos de interesse.
Que espaços criam para os mais velhos além do banco de jardim?
Criamos zonas agradáveis, zonas de estadia associadas aos parques mais originais. Num dos parques que criámos as próprias pedras que encontrámos serviram para cerca e recreio. São castelos ou casas de bonecas, o que se quiser. A cerca serve para evitar saídas intempestivas das crianças para a via pública. Qualquer coisa que seja uma barreira que impeça que os miúdos de correr para a estrada resolve o problema da legislação. É preciso é interpretar com inteligência a legislação.
Não têm tido problemas?
Às vezes a ASAE não é tão receptiva. Se calhar porque é mais fácil proibir do que pensar. Quando temos uma lei podemos usá-la para orientar a nossa vida ou para passar multas. Há duas maneiras de olhar para a mesma lei. Nós preferimos a forma criativa.
A tendência será a procura deste tipo de espaços mais originais?
Acredito que sim e por isso temos desenvolvido essa linha de orientação de conceitos diferenciados. Acho que vai ao encontro não tanto de um pedido de um cliente, mas da nossa reflexão sobre o que as pessoas procuram na cidade, que são coisas susceptíveis de estimular a imaginação e criar identidade nos lugares. Vivemos um período em que se preza mais o individualismo do que a normalização. Acredito que as pessoas vão procurar coisas diferentes no espaço público.
E em relação às normas?
As normas têm que ver sobretudo com alturas de queda. Nós temos pavimento de areia, que é melhor que borracha, e está assegurada a norma. Há quem não goste que os miúdos levem areia nos sapatos, mas nos países nórdicos os miúdos vão todos de sujos de lama para casa porque estiveram a brincar. Faz parte da brincadeira.
Estão a apostar cada vez mais nesta vertente…
O mobiliário urbano também tem que se apelativo. Toda a gente gosta de ter uma cadeira bonita em casa. Ao olhar para a cidade como uma extensão da nossa vivência em casa, cada vez mais achamos que existe essa sensibilidade da parte dos autarcas, para melhorar o aspecto do espaço público. A transferência de poderes para as autarquias e dentro das câmaras para as freguesias foi positiva porque existe uma proximidade maior. Existe da parte das pessoas facilidade em responsabilizar os autarcas por aquilo que se está a passar mal nas ruas. Isto leva a que as freguesias também se preocupem em olhar para o espaço público como qualquer coisa de que as pessoas precisam. Passámos do hardware para o software. Já temos as infra-estruturas nas cidades, água, luz, recolha de lixo e agora chegou a vez do bem estar. Não vamos fazer mais do mesmo. Vamos começar a pensar naquilo que faz falta às pessoas. Acredito que em 2015 as freguesias comecem a olhar para as rubricas orçamentais associadas ao espaço público de outra maneira dotando-as um pouco mais.
Mas as freguesias apenas terão possibilidade de fazer apenas intervenções pequenas ou tem outras expectativas?
Tenho alguma expectativa de que se comece a olhar para também ao embellissement[embelezamento], como dizem os franceses. Não tem que ser uma Expo. Um pequeno arranjo qualifica o bairro. As pequenas intervenções, não necessariamente muito onerosas, têm um grande retorno em termos de qualidade de vida e satisfação das populações.
Nesta área de negócio que fatia representam os parques infantis?
Estas novas intervenções representam 10 por cento. Os parques infantis convencionais estão nos 50 por cento. A manutenção significa em termos de facturação tmais de 25 por cento. Há um reconhecimento da necessidade de manter, não só de parques infantis mas também de mobiliário urbano.
Como perspectiva 2015?
Este ano vai acabar com uma quebra de cerca de 40 por cento em relação ao ano passado. É uma realidade em toda a Europa. Estamos a falar de cidades que envelhecem. Não se trata só da questão económica. O recreio infantil vai diminuindo. Estou convicto de que 2015 vamos começar outra vez a ser auto-sustentáveis, um pouco porque enveredámos por estes caminhos alternativos que têm aceitação, porque apostamos na manutenção e desenvolvemos formação interna. Isto posiciona-nos bem relativamente à concorrência. Com maior credibilidade. As pessoas que estão na rua sabem olhar para os equipamentos em termos de segurança. Sabem fazer análise de risco. Sabem se devem recomendar fechar o equipamento ou não. Isso dá algum conforto a quem está do outro lado a fazer a gestão.
E projectos para o futuro?
Existem alguns projectos convencionais para Angola e Moçambique. Estão em fase de concurso e empreitada. Existe uma necessidade de procurar modelos qualificadores nestes países e vão buscá-los à Europa e à América. Seguem o modelo civilizado. É o efeito de imitação. Só depois de terem a mesmo coisa é que conseguem reflectir que conseguem coisas diferentes e adaptadas ao seu país, necessidade e criatividade. Há parques infantis recriados com materiais reciclados em vários países do chamado terceiro mundo. Enquanto eles estão a pegar nas nossas referências nós estamos a copiar muitas vezes as referências desses países.
E além dos parques infantis?
Temos também uma área de negócio que são os skate parques. Fizemos uma parceria com o skater e arquitecto Francisco Lopez. Os parques de desportos com rodas, como BTT e patins em linha, têm bastante procura. O do Estoril teve imenso sucesso. Muitas provas internacionais passaram a ser realizadas em Portugal. Este skate parque fica junto à faixa costeira e portanto quando está mau no mar para o surf está bom em terra para o skate. São os tais equipamentos que não são só para crianças… Ao nível da manutenção a F.L.Gaspar criou uma empresa dedicada. Acho que fomos pioneiros em ferramentas informáticas de acompanhamento das operações. O programa está de acordo com as normas de segurança dos parques infantis. Vamos levantando as situações que precisam de ser reparadas. Porque a peça tem desgaste ou por vandalismo. Isso permite à entidade gestora ter uma noção de quanto vai gastar e onde. Dá uma visão generalizada de como está o património. No fundo ajuda a tomar decisões.
Um arquitecto estudioso da brincadeira
O arquitecto que ajuda a conceber os parques infantis originais da empresa F.L.Gaspar, José Caldeira, 59 anos, foi um dos meninos que brincou no velho eléctrico da carris e no carro de bombeiros estacionados no parque de Monsanto e que serviam de equipamento infantil às crianças de então. Eram os parques infantis antes da “normalização”, coisa impensável nos dias de hoje pelas regras que se impuseram. “Havia desafios interessantes”, recorda o arquitecto.
José Caldeira tem dois filhos, de 35 e 33, mas ainda não tem netos. Quando os seus descendentes eram pequenos levava-os a passear à praia, mais do que aos espaços convencionais do baloiço e escorrega que já então existiam.
Trabalhar nesta área levou-a a ser um estudioso da brincadeira e a fazer outras leituras. Deixou a escala do plano director e passou a olhar a cidade, a sua paixão, bairro a bairro, parque a parque.
“Olhar para a cidade e para o espaço público nesta perspectiva é muito engraçado. O urbanismo tem esta coisa. Criamos um plano e até que as coisas se concretizem se calhar passa uma geração. Quando a gente olha para a escala pequena a capacidade de realização é muito mais concreta. O passar do projecto à prática é muito mais imediato”, exemplifica.
José Caldeira é Director de Serviços de Mobiliário Urbano e Paisagismo da FLGaspar desde 2011. Antes passou pela ParqueExpo e gabinetes de arquitectura. “Dirigir equipas com projectos interessantes é sempre um estímulo. Gosto de trabalhar com equipas e partilhar. O meu papel é impulsionar as ideias que são boas”.
Nasceu, estudou e sempre trabalhou em Lisboa. Nos tempos livres toca guitarra e passeia a pé e de bicicleta pela cidade. Tornou-se um adepto das ciclovias e usa o carro para deslocar-se até ao trabalho, em Cascais. “A minha paixão é Lisboa. Sempre tive curiosidade pela cidade, mas neste momento acho que há outro olhar para o espaço por causa desta minha actividade”.
Lê romances com a mesma avidez com que folheia um livro técnico. Talvez por nunca ter conseguido separar bem a fronteira entre o lazer e o trabalho. Um vício que traz já dos tempos de projectista de arquitectura. Não sabe se isso é bom ou se é mau. Apenas de uma coisa está certo: “É bom estarmos apaixonados pelo que fazemos”.
Ana Santiago