A casa passiva, que permite atingir poupanças energéticas na ordem dos 75 por cento, é a habitação resiliente num cenário de aumento do custo da energia e água, diz o presidente da direcção da Associação Passivhaus Portugal, João Marcelino. A eficiência energética é garantida desde que os princípios básicos do conceito sejam respeitados.
Que características deve ter uma passive house [casa passiva]?
A passive house é aberta a qualquer sistema de arquitectura e a qualquer sistema de construção. Deve obedecer a cinco princípios fundamentais: excelente isolamento térmico; janelas e portas adequadas; sistema de ventilação com recuperação de calor; eliminação de pontes térmicas e a envolvente do edifício deve ser estanque ao ar.
No âmbito da reabilitação as mais valias energéticas são as mesmas?
No caso da reabilitação as poupanças ainda são superiores. Num edifício corrente falamos de poupanças na ordem dos 75 por cento. Na reabilitação conseguimos ir aos 90 por cento. Isto porque falamos de edifícios muito antigos e temos como base a performance que o edifício existente tinha anteriormente. Ao reabilitar vamos ter poupanças maiores em relação a um edifício construído de raiz segundo a norma actual.
Qual é a espessura das paredes?
Dez centímetros. Mas podemos optar por soluções de paredes entre quatro e seis centímetros. Depende da orientação do edifício. Estamos a falar de níveis de isolamento adicionais em relação àquilo que se está a fazer com custos baixos que não chegam a um euro por centímetro. A grande questão é executar bem para evitar pontes térmicas. As pessoas não têm noção de que as grandes perdas acontecem por essa razão. Isso muitas vezes tem que ver com a falta de informação e com a má execução. Até porque utilizamos janelas de mercado que são utilizadas em edifícios correntes.
Uma passive house não exige uma casa de máquinas?
É exactamente o contrário. É a simplificação do sistema com uma só unidade que vai garantir a qualidade do ar interior em termos de ventilação e recuperar todo o calor que existe dentro de casa. Se a casa tiver sido bem projectada e tiver boa orientação esse sistema é suficiente e não precisamos de outra fonte de calor. É evidente que muitas vezes temos sombreamentos por edifícios que estão confinantes ou a casa está mal orientada, como foi o caso destas primeiras passive houses. Nesses casos precisamos de um sistema adicional de fornecimento de calor, mas de apenas 1, 5 ou 2 kw quando o que existe no mercado é um factor de 10. Vamos ter uma grande poupança porque o sistema gasta pouco. Não precisamos de uma panóplia de equipamentos que normalmente são usados nas habitações correntes. No Verão, mesmo com uma onda de calor, tivemos um conforto muito grande. Fazemos a protecção térmica adequada com as persianas para evitar os ganhos solares adicionais. No fundo são os princípios da arquitectura solar passiva. Como diz Wolfgang Feist [Director do Passivhaus Institute] temos o privilégio de ter um «lucky climate». Não são necessários sistemas exigentes de arrefecimento e aquecimento.
Não precisaram de recorrer a outro tipo de aquecimento ou arrefecimento.
Sim, mas cada caso é um caso. Trabalhamos com dados climáticos. A mesma situação provavelmente não seria possível em Viseu, onde o Verão é muito mais exigente, ou em Coimbra. O litoral tem uma brisa que atenua as ondas de calor, o que não acontece no interior.
Quanto pode poupar, em euros, uma família numa passive house em comparação com um edifício convencional?
Os estudos de uma casa padrão indicam valores na ordem dos 700 euros por ano de poupança.
E o investimento não tem necessariamente que ser muito maior…
Depende do programa definido pelo cliente e do trabalho em equipa. Temos que ter noção de que um pequeno gesto de arquitectura tem um impacto muito grande. Um pequeno erro na orientação vai consequências. Estamos a tentar agarrar o desafio de Wolfgang Feist da última conferência: construir a preços correntes. Mesmo que tenha um custo adicional na ordem dos três ou quatro por cento é rapidamente recuperável com a vantagem de tornar aquela casa resiliente em relação ao futuro. Ou seja, se houver um aumento muito grande do preço da energia e da água, como gastamos pouco, vamos resistir.
Tendo em conta a crise que se vive acredita que este conceito pode ser generalizado?
O conceito tem que ser disseminado no seu tempo normal. Na natureza tudo tem o seu tempo de maturação. Temos que ter calma e evitar as pressas. Primeiro é preciso apostar na formação. O nosso objectivo é o que já está a ser feito em Itália: ter em cada cidade tem vários arquitectos, engenheiros, designers e pessoas ligadas à construção com formação na área. É dessa forma que se vai ter a garantia de que aquele edifício vai ter um bom desempenho.
Porque diminuir a factura da electricidade interessa às pessoas…
Temos a noção de que as pessoas estão cada vez mais atentas ao aumento das facturas da electricidade e da água. Já olham para o custo do edifício/ custo de utilização. Não podemos dizer apenas que é mais caro. É a mesma coisa que comprar um carro que é mais barato mil euros mas gasta mais quatro litros aos cem.
Apresentou um estudo económico que revelou valores importantes. Falou de 57 mil milhões de euros de poupança gerada em trinta anos num país. Que mensagem quer passar?
Fomos convidados a presentes numa plataforma de um projecto financiado pelo Governo Alemão que quer criar exemplos de sustentabilidade. Isto porque há a consciência de que não há energia suficiente face aos actuais níveis de consumo do planeta. Só a China vai construir nos próximos 20 anos o correspondente ao edificado na Europa. Temos de tornar-nos rapidamente mais democratas e resolver esse problema baixando os consumos. É o que está a ser feito no centro da europa.
No âmbito da house plus já avançaram para a produção alimentar?
Avançámos. Se o sector dos edifícios é responsável por consumir um terço da energia, o sector agroalimentar é responsável por consumir outro tanto na produção, armazenamento e transporte de alimentos que percorrem milhares de quilómetros. Queremos ver até que ponto uma família pode ser auto-sustentável em termos de fruta e vegetais. A nossa água é reutilizada na rega e os resíduos orgânicos encaminhados para a horta. O que é interessante é que neste processo de aprendizagem, que dura há cerca de oito meses, começámos a verificar que temos plantas para substituir o açúcar e o sal. Já fazemos produção de beterraba e batata, tal como no tempo dos nossos pais.
Tem a possibilidade de viver na casa passiva. A experiência de viver numa passive house superou as expectativas?
Já tinha tido a oportunidade de morar numa casa antiga e num apartamento novo e posso dizer que a experiência na casa passiva tem sido muito agradável. São casas muito confortáveis. Torna-se possível usufruir da casa sem preocupações com os gastos excessivos.
Qual é a factura energética da casa?
A factura reporta-se essencialmente ao consumo dos electrodomésticos. É um tipo de equipamento que não é muito eficiente mas é o que existe. Nós monitorizamos o equipamento de ventilação e a produção de água quente que não gasta mais do que 80 cêntimos por dia. Estamos a falar de 25 euros por mês numa casa com cinco pessoas. Gastamos muita energia na preparação dos alimentos com as placas e os fornos. Começámos a usar fornos solares e vamos tentar saber quanto libertamos de energia eléctrica e passar a usar o sistema fotovoltaico. Queremos depender o mínimo de energia eléctrica e tornar-nos uma house plus. Queremos produzir mais energia do que aquela que gastamos.
Para depois vender?
Sim. Estamos à espera da portaria. É um caminho que ainda há a fazer.