Editorial - João Pedro Costa: "Novo Regime Jurídico dos IGT’s, apreciação preliminar"

19.03.2015

O editorial n.º 91 do Jornal Arquitecturas (JA) é dedicado ao novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado em Conselho de Ministros no passado dia 26 de Fevereiro, assim dando corpo à reforma do sistema português de ordenamento do território, do urbanismo e dos solos, iniciada com a publicação de nova Lei de Bases – Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio.

 

Ainda sem conhecer a redacção final, que aguarda publicação enquanto são escritas estas linhas, foram anunciados os princípios a que obedece o novo Regime Jurídico, que são já, por si só, merecedores de comentário, designadamente: (1) a flexibilização do sistema de planeamento; (2) o reforço do PDM como instrumento de síntese de ordenamento do território, e; (3) a reabilitação como prioridade de desenvolvimento das zonas urbanas. Vejamos a justificação de cada um mais atentamente.

 

A flexibilização do sistema de planeamento é uma obrigação dos tempos. A economia, mas também a sociedade, as prioridades das pessoas, mudam a uma velocidade estonteante e não se antecipa que o tempo volte atrás, a uma estabilidade e previsibilidade de médio prazo. Alguém acredita que uma estratégia de desenvolvimento municipal, ou um projecto económico, possa estabilizar por períodos de dez anos?

 

Retenhamos o que já se passou no país, nos municípios, nas empresas, na economia, na sociedade, nas famílias desde 2006… Seria, nessa altura, possível conceber uma orientação estável capaz de perdurar e manter validade nos dez anos que se seguiram? Que continuasse actual em 2011, em 2013? Ainda mantemos hoje os paradigmas de 2006?

 

Assim, se por um lado existem investimentos que obrigam a programação, designadamente as infra-estruturas e os equipamentos de utilização colectivas – ainda que, cada vez mais, uma programação flexível e adaptativa –, precisamos de IGT’s capazes de acolher a velocidade da mudança que caracteriza os tempos, pelo que a sua maior dinâmica e flexibilização constitui um imperativo. Falta ver como tem lugar, pelo que se aguarda com interesse pela redação final.

 

O segundo princípio, o reforço do PDM como instrumento de síntese de ordenamento do território, constitui, claramente, uma resposta à inoperacionalidade da coordenação dos IGT’s. Quem não lidou já com processos em que várias orientações territoriais convergem sobre o mesmo local, a partir de diferentes IGT’s? Na sociedade de informação, é inaceitável que o Estado não consiga articular uma orientação única de planeamento para determinado sítio, isto é, que diferentes instrumentos territoriais determinem diferentes normas de gestão territorial, em momentos temporais diferentes, sem procurar a respetiva integração.

 

Se o PDM se pretende flexível para acolher o tempo, deve também ser flexível para verter nos seus elementos fundamentais as orientações dos restantes IGT’s, designadamente, os agora designados programas sectoriais, regionais e especiais. Caminhamos no sentido de uma maior responsabilização dos técnicos e de uma maior confiança no sentido público das autarquias, reforçando o municipalismo genético de Portugal.

 

Finalmente, a reabilitação urbana como prioridade. Está é, já, uma realidade no terreno, em resposta à crise económica, certamente, mas também como paradigma de mudança na pós-crise. No novo Regime Jurídico, o solo passa a ser classificado apenas em duas classes – solo rústico ou urbano – extinguindo-se, a prazo, a classificação do solo urbanizável. Com esta medida, visa-se limitar a expansão urbana e a expectativa de urbanizar, orientando a economia para a reabilitação. Em paralelo, tenta-se desonerar o custo do solo não urbano, travando a perpétua expectativa de urbanização, ficando a reclassificação de solo rústico em urbano dependente da demonstração da sua necessidade e viabilidade económico-financeira. E, com isso, travar também a especulação pelo simples acto administrativo que, em grande parte, esteve na base da bolha do imobiliário e de vários dos enormes passivos de crédito irrecuperável junto da banca.

 

Diria, pois, que, nestes três princípios, o novo Regime Jurídico procura adequar a gestão territorial aos tempos, corrigindo disfunções identificadas no anterior. Aguardemos, então, pela sua redacção final, para observar como são concretizados, estes três e outros princípios não especificados por ora. Interessa perceber como foi ajustado o edifício dos IGT’s, como foi trabalhada a sua tramitação, como foram reforçados critérios de qualidade no ordenamento, em síntese, como se operacionaliza a Lei de Bases de 2014 numa praxis contemporânea, eficiente, informada e motora do desenvolvimento territorial com a excelência que todos merecemos.

 

Voltaremos a este tema.

 

João Pedro Costa é o director do Jornal Arquitecturas.

TAGS: editorial , João Pedro Costa
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