Editorial de João Pedro Costa: Cluster de reformados?

12.04.2016

Terminou, este domingo, a 18.ª edição do Salão dos Seniores, em Paris, por onde terão passado cerca de 55 mil reformados franceses. Segundo Carlos Vinhas Pereira, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa (CCIFP), "era impossível entrar no salão sem passar pelo Pavilhão de Portugal, porque era o primeiro em frente à entrada. Estava sempre cheio de pessoas à volta. Ousarei dizer que passaram 55 mil pessoas".

 

Entre muitos outros indicadores, esta é uma expressão de um fenómeno em significativo crescendo, que é a escolha de Portugal como destino de residência para a reforma, por parte de cidadãos oriundos de países da União Europeia, como França, Reino-Unido, Alemanha ou Holanda. As razões são diversas, passando pela qualidade ambiental do país, pela segurança, pelo clima, pela paisagem, pelo acolhimento, pela gastronomia, pelo poder de compra.

 

Este fenómeno acresce à retoma do desenvolvimento do turismo, com o qual não compete, mas relativamente ao qual é complementar, pois trata-se de um público que rentabiliza diversas instalações, como o golfe, os equipamentos culturais, o comércio e restauração, entre outros. Cria emprego, é bem-vindo, portanto.

 

Este pode ser o lado bom do país como cluster de reformados, desde que não seja visto como atividade central para o desenvolvimento. No projeto de país que queremos deixar às novas gerações, Portugal tem de ter muito mais recursos que o sol, praia, golfe, cultura e afins, progressivamente adaptados às gerações mais velhas.

 

Infeliz, porém, é a coincidência deste segmento com a evolução demográfica do país. Portugal continua a evoluir no sentido de um país cada vez mais envelhecido. O sistema de segurança social vive reforma atrás de reforma; e a geração dos vintes (dos 20 aos 29 anos), a melhor formada, tem o futuro em suspenso, com meio milhão de desempregados ou trabalhadores precários e a perder rendimento, afastando-se da média do país, quando não obrigada a emigrar, iniciando um percurso de difícil regresso durante a idade ativa.

 

Este é o lado mau do cluster de reformados: um país a caminhar para o abismo, que não é apenas demográfico, tão-pouco económico e social, mas é uma decadência civilizacional e um problema de sustentabilidade de curto prazo, que não se resolve “importando” migrantes menos habilitados.

 

Seria muito triste perceber que, na vocação de Portugal, vai ganhando lugar a função de cluster de reformados; dos que cá moram, numa sociedade geracionalmente desequilibrada, e dos europeus, que vêm beneficiar daquilo que os portugueses não sabem garantir aos seus jovens.

 

João Pedro Costa é o director do Jornal Arquitecturas.

TAGS: Editorial , João Pedro Costa , Arquitecturas
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