Editorial de João Pedro Costa: "A cidade e a emergência alimentar"

23.05.2016

Já não constitui novidade o facto de o autoabastecimento alimentar figurar como uma das áreas de soberania nacional, nos vários documentos estratégicos de defesa militar que vão sendo produzidos por todo o mundo, muitos simulando cenários internacionais que achamos distantes das nossas casas, mas de que ocasionalmente vislumbramos.

 

Em Portugal, no ordenamento do território, sabemos, por exemplo, ser uma das áreas que o Prof. Jorge Gaspar vê com necessidade de atualização, no Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território.

 

O risco da fome é um risco efetivo, para tal bastando uma forte crise cambial (fora das moedas fortes globais), uma crise socioeconómica aguda (como vive hoje a Venezuela), uma emergência de saúde pública (que obrigue a por em prática planos de recolher obrigatório, como foi considerado para os piores cenários da epidemia de gripe A, que felizmente ficaram muito longe de se verificar), ou um prolongado bloqueio internacional ou nacional do transporte de mercadorias (como já experimentámos há alguns anos, com visível expressão na carência de alguns produtos nas prateleiras dos supermercados, em especial os frescos).

 

A Reserva Agrícola Nacional ganha de novo importância, de modo a assegurar que os melhores solos agrícolas não são comprometidos para outros usos, no quadro da momentânea desvalorização da produção local face à economia global que hoje vivemos, também no sector alimentar.

 

A agricultura urbana segue o seu caminho, que a crise reforça.

 

A segurança alimentar é cada vez mais uma preocupação individual, na era dos trans isto e das dúvidas sobre os químicos, os aditivos e as cadeias alimentares.

 

E, perante a informação global de sucessivas crises alimentares, que vai entrando por todas as casas através dos meios de comunicação, a “casa na terra”, que ainda vincula famílias a antepassados rurais, ganhou novo valor no seio da segunda residência.

 

Igualmente interessante, como evidencia o comentário de Armando Afonso Silva, aqui no Portal do Jornal Arquitecturas (16-05-2016), é a aproximação do balanço zero à alimentação, à medida que vão sendo realizáveis a autossuficiência energética, o autoabastecimento de água, a crescente autonomia no tratamento de resíduos (associada à redução do uso de resíduos não biodegradáveis) e a implementação do e-learning e do homeworking; numa sociedade onde o saneamento sabe ser autónomo e melhora tecnologias, e as telecomunicações móveis são cada vez mais abrangentes e potentes. E com a mobilidade de pessoas e bens a ser repensada, a prazo, no seio da 4.ª industrialização que algumas vanguardas assumem.

 

Autoprodução alimentar, produção alimentar de proximidade, autoabastecimento alimentar das cidades, sob diversas formas a alimentação está de regresso ao ordenamento do território e ao urbanismo, agora que sabemos que a economia global não é totalmente fiável e que, sob determinadas situações, cada um pode passar a ter de tratar de si.

 

João Pedro Costa é o director do Jornal Arquitecturas.

TAGS: Editorial , João Pedro Costa , segurança alimentar , cidade
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