Durante muitos séculos, a construção de edifícios foi feita à base de estruturas de alvenaria (nas suas diversas formas) e de madeira.
A partir do século XIX ocorrem alterações muito grandes, primeiro com o desenvolvimento da indústria do ferro e do aço, depois com o aparecimento das primeiras construções que recorriam ao betão armado.
A indústria da construção é, como se sabe, uma actividade conservadora, onde a novidade demora a impor-se e, por isso, não será de estranhar a lentidão de décadas com que ela foi evoluindo, com constantes contradições entre os mais tradicionalistas e os que iam tentando impor esses materiais novos e, de certa forma, revolucionários.
Embora se registem, em Portugal, diversos casos de edifícios e outras construções com estruturas integrais de betão armado, desde o início do século XX, designadamente com soluções patenteadas oriundas de países europeus, a verdade é que ao longo das três primeiras décadas do século XX, e mesmo mais tarde, em finais de 40, o betão armado ainda entrava timidamente nas estruturas dos edifícios, confinando-se primeiro apenas a lajes de zonas húmidas (cozinhas e instalações sanitárias), depois abrangendo igualmente fachadas, escadas exteriores de serviço e vigamentos isolados, nomeadamente ao nível do r/c com uso comercial.
A partir da década de 30 intensifica-se a utilização do betão, generaliza-se a sua aplicação integral nos pavimentos, mantendo-se no entanto as estruturas verticais baseadas em paredes de alvenaria ordinária, as exteriores e de tijolo, as interiores.
Duraram cerca de 20 anos estas soluções "mistas", já que vão desaparecer na década de 50, quando se passou a recorrer sistematicamente a estruturas porticadas, mais ou menos regulares, como suporte de lajes finas de betão, com espessuras correntes que raramente ultrapassavam os 10cm.
As intervenções de reabilitação que têm ocorrido maioritariamente nos edifícios de transição têm duas características essenciais:
a) Quase sempre as operações decorrem andar a andar, com intervenções individualizadas, projectadas e executadas como tal;
b) Quase todas estas operações incluem alterações estruturais traduzidas pela demolição de paredes ou de troços de paredes estruturais;
Se este segundo aspecto é merecedor, por si só, de uma reflexão atenta, já que é preciso realizar as análises e cálculos adequados, o primeiro pode colocar problemas de enorme gravidade porque, fazendo-se em cada fracção as alterações e demolições que se entenda, é quase certo o risco de se criarem descontinuidades estruturais e diferenças acentuadas de rigidez nas diferentes zonas de um andar e entre pisos, que põem em causa o desempenho estrutural global do edifício com o qual nenhum dos autores das intervenções isoladas se preocupa.
A banalidade com que tais situações ocorrem, o quase absoluto desinteresse que cada um tem pelos direitos dos outros e pelas consequências do somatório de acções individuais descoordenadas no comportamento global dos edifícios, é questão que merece que se lance um alerta para que se estabeleçam regras mínimas na exigência de apresentação de projectos e correspondentes certificações.
São questões que estão na mão das Câmaras e dos proprietários, em geral condomínios: cabe-lhes entender a importância do que se expôs e conseguir comportamentos e hábitos que permitam minimizar riscos.
Deve acentuar-se que a legislação que facilita o processo de autorização de obras interiores, minimizando ou eliminando mesmo as exigências de licenciamento, não é incentivadora da criação de um sistema de controlo de qualidade dessas obras, especialmente em tipologias estruturais como as que vêm sendo abordadas.
Embora se compreendam as razões que levaram a determinar simplificações administrativas, entende-se que é urgente repensar a forma como se pode salvaguardar a qualidade das intervenções nos edifícios de transição, visando, sobretudo, a preservação e até o reforço dos níveis de segurança sísmica que são capazes de oferecer.
Quem irá dar o primeiro passo?
Lisboa (e Copenhaga), 10/7/2016
João Appleton, é engenheiro civil (IST), especialista e investigador coordenador pelo LNEC, conselheiro do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes (aposentado) e sócio da A2P- Estudos e Projectos.