O mercado da construção em Portugal foi dizimado e já não voltará ao que era, diz o presidente da Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas (AECOPS), Ricardo Pedrosa Gomes. As empresas sobreviventes vão ter que voltar-se para a regeneração urbana, manutenção de infra-estruturas e reabilitação sísmica, as grandes oportunidades para a retoma do sector, que não acontecerá antes de 2015/ 2016. Sair do país não é solução para todos os casos.
Apesar da crise que afecta o sector da construção há empresas que resistem. Há quem lhe chame heróis. Quais são os segredos?
Temos duas realidades diferentes: empresas que vivem essencialmente do mercado interno e foram praticamente dizimadas e empresas que conseguiram fazer o caminho da internacionalização e vão sobrevivendo. Os denominados heróis têm em comum a dimensão mas sobretudo a qualidade de recursos humanos. Outra característica é a capacidade financeira que existe cada vez menos já que há dificuldades no acesso ao crédito.
O futuro passa inevitavelmente pela internacionalização?
As empresas que têm dimensão média e grande inevitavelmente têm que o fazer. É um processo caro e que exige um estudo do mercado. Para as pequenas precisamos de ter mercado interno de construção. O que está a acontecer é uma anormalidade que tem que ser corrigida.
As empresas que não têm dimensão para sair a que é que se agarram?
Neste momento infelizmente a nada porque não há. Mas tem que haver. Aí entra a actividade de requalificação urbana que não se esgota apenas na reabilitação de edifícios. Também tem que ver com manutenção de infra-estruturas, incluindo estradas. Essa é a grande área que tem que alimentar o mercado interno.
Será suficiente?
Com a dimensão que teve até à data não mas com a dimensão que deverá ter será suficiente. Nunca mais voltaremos a ter um mercado de construção com a dimensão que tivemos. As nossas necessidades de edificado são outras. A reabilitação representa, em média, 30 por cento do mercado nos países da Europa. Em Portugal fica pelos 10 por cento. Quer dizer que não estamos a tratar das coisas devidamente. Na área da regeneração urbana dos edifícios vamos ter duas vertentes: eficiência energética, uma das linhas mestras do orçamento europeu 2015/2020, e no nosso caso específico a chamada reabilitação sísmica. É algo que precisamos fazer para dar cumprimento às normas europeias. A reabilitação do património edificado tem como sinergia óbvia o turismo. Estas vertentes têm que ser a base da criação do mercado interno de construção que foi dizimado mas que é essencial que volte a existir.
A requalificação já é uma tendência na Europa…
É algo com que vivem há décadas. Se é possível ter um restaurante na zona histórica de Veneza tem que ser possível ter um restaurante na zona histórica do Porto ou Lisboa. E hoje em dia é impossível dadas as restrições. Há uma série de alterações de natureza regulamentar que são essenciais, nomeadamente a nível do RGEU (Regulamento Geral das Edificações Urbanas), para permitir que seja ágil e inteligente aplicar formas novas de viver em edifícios com história. É importante que no próximo Quadro Comunitário de Apoio (QCA) esteja previsto o acesso dos privados a fundos nessas áreas para que possamos fazer das nossas cidades centros atractivos. Uma das poucas notas negativas que deixa quem nos visita é o ar abandonado e decrépito dos nossos centros históricos.
Em que áreas da construção estão as empresas portuguesas a ter mais sucesso lá fora?
Estradas, obras portuárias, ferroviárias e geotecnia. É preciso ter-se conhecimento, referências no mercado internacional, equipamentos e técnicos especializados, que é o que não existe normalmente nos países de destino onde o nível de infraestruturas ainda é incipiente. São esses os trunfos. Uma empresa que se dedique apenas à construção de edifícios não tem futuro. As tecnologias de construção de edifícios estão mais ou menos disseminadas.
Para que mercados estão direccionadas as empresas portuguesas?
Para aqueles com quem temos quer afinidades históricas, quer facilidades de contacto e até proximidade geográfica, caso de África e América Latina. Não há tradição de empresas portuguesas na Ásia e mesmo no Médio Oriente é incipiente. São países que estão numa fase de desenvolvimento muito forte. A prioridade desses países são as infra-estruturas.
No âmbito da internacionalização preocupa-o a saída de talentos?
A saída de pessoas enquadradas no fenómeno de internacionalização de empresas não é um problema. Vão e voltam. A emigração de pessoas por iniciativa própria já nos preocupa. Provavelmente não voltarão. Matámos o tecido industrial dessas artes e ofícios e quando entrarmos na fase de manutenção, reabilitação e regeneração teremos um problema com falta de mão de obra especializada.
Qual é a previsão para a retoma do mercado interno?
Não acontecerá seguramente antes de 2015/2016. O investimento por via
pública só poderá surgir no quadro do financiamento comunitário.
E até lá, será o colapso das empresas que por cá estão?
Já há pouco para colapsar. Até lá será a sobrevivência daquelas que têm processos de internacionalização. Em relação ao mercado interno dependerá muito da capacidade que tiverem sectores como o turismo de atrair investimento externo que potencie algumas obras de recuperação do património e no esgotar do que resta dos fundos comunitários, desde que eles não sejam divergidos para outro tipo de fins.
O pouco que as câmaras ainda vão conseguindo lançar tem que ser agarrado…
Infelizmente isso não está a acontecer. Tememos que possa haver alocação de
fundos para fins diferentes. O Governo, que teve planos especiais para recuperação
de algumas autarquias, devia privilegiar isso. Gastará muito mais nos subsídios de desemprego que vai pagar às pessoas que as empresas de construção largam no mercado.
Redacção Jornal Arquitecturas